domingo, 12 de junho de 2016

Entrevista concedida pelo Dr. Daniel Xavier à Universidade Federal do Ceará Parte 2





Perguntas – Artigo de Vida
Fisioterapia Oncológica

Sabe-se que, dentro de uma equipe de saúde, os profissionais normalmente seguem o modelo multiprofissional ou multidisciplinar. Na sua área de atuação, então, qual dentre esses modelos é mais adequado para garantir o melhor tratamento e conseqüente bem estar do paciente? Como o fisioterapeuta é incluído nesse processo?

DX: Multiprofissional, onde não há uma hierarquização entre os profissionais da área de saúde e o trabalho em “equipe, formado por diversos profissionais ligados à saúde, onde, o profissional se sobrepõe a ‘disciplina”. Contrário aos moldes ultrapassados, onde existia um “gerente” e os demais profissionais estariam subjugados hierarquicamente a este, atualmente o fisioterapeuta é o responsável imediato por tudo o que concerne a reabilitação funcional, a adequação desta às atividades diárias e a readaptação do indivíduo às suas habilidades laborais e sociais. O trabalho em conjunto com outros PROFISSIONAIS e não DISCIPLINAS garantem que os objetivos traçados pela EQUIPE sejam alcançados de forma que o paciente seja o maior beneficiário desta ação conjunta.

Ao analisar seu currículo, constatamos que seu doutorado é sobre a aplicação de uma reabilitação oncofuncional no tratamento de crianças e adolescentes com câncer. Quais foram às necessidades que o senhor observou para que houvesse um método específico para tratamento da faixa etária supracitada?

DX: A falta de políticas públicas que contemplavam diretamente essa faixa etária. Soma-se a essa condição, o escasso material bibliográfico que norteasse e embasasse nossas condutas e procedimentos frente à criança e ao adolescente oncológico. Isso era inadmissível! Ao me deparar pela primeira vez com essa problemática, pois, minha área de ação até então, era restrita ao paciente oncológico adulto, fiquei simplesmente estarrecido. Por outro lado percebi o quanto o trabalho de tantos outros colegas que lidam diretamente com pacientes oncológicos inseridos nessa faixa etária deveria ser enaltecido. Eles são verdadeiros heróis! As dificuldades são incomensuráveis.
Entre as diversas necessidades observadas foram, em meu entendimento: Maior seriedade por parte das entidades públicas no desenvolvimento de políticas que atinjam diretamente esta faixa etária; Maior engajamento da sociedade e de entidades privadas no sentido de que estas crianças e adolescentes saiam da “margem da sociedade”, e possam efetivamente ser consideradas como uma responsabilidade de todos nos, cidadãos de bem, a fim de proporcionarmos a elas condições mais humanas de recuperação e reinserção em uma sociedade que finge em fazer “vistas grossas” a um problema de saúde pública e por fim, maior responsabilidade das classes profissionais voltadas ao cuidado da criança e do adolescente, no que concerne ao atendimento pleno das necessidades pertinentes a essa faixa etária.

A oncologia, muitas vezes, lida com pacientes com prognóstico não favorável. Levando isso em consideração, como o profissional fisioterapeuta que atua nessa área deve se posicionar frente ao paciente que se recusa a receber tratamentos paliativos?

DX: Compete a todos os profissionais da área da saúde, independente da área de atuação, a perpetuação da vida, sempre! Conosco não poderia ser diferente. Além de propagarmos o pacto à perpetuação da vida, ainda compete a nós fisioterapeutas, a possibilidade de proporcionar o alívio do sofrimento de nossos pacientes, uma abordagem sublime e que denominamos de uma forma bem resumida, de cuidados paliativos; nossa atuação seja empregando técnicas que aliviam a dor, seja na atuação por intermédio de terapêuticas que combatam o desconforto respiratório entre outras, promovem dignidade ao ser humano. No meu entendimento, não cabe a nós, uma vez exaurido todos os argumentos explicando ao paciente e aos familiares, os benefícios da nossa abordagem, insistirmos. No final, a vontade do paciente no que concerne à escolha pela adoção ou não de técnicas desprendidas em benefício a ele, por nós fisioterapeutas, compete a ele. Imperioso, portanto, que tenhamos a humildade de respeitar a decisão dos nossos pacientes sem que evidentemente, desrespeitemos ao nosso código de ética profissional e principalmente, estejamos em consonância com as leis vigentes em nosso País.

Embora o SUS tenha sido desenvolvido com o objetivo de promover um atendimento humanizado, a medicina ocidental, que foca apenas na doença e não vê o paciente em sua completude, ainda é muito presente no seu cotidiano. Diante disso, como é possível manter a humanidade nesse ambiente depois de tantos anos de profissão? Quais aspectos contribuíram para que o senhor se mantivesse um profissional humanizado?

DX: O contexto do trabalho voltado ao paciente oncológico é chocante! Torna-nos mais humildes, mais humanos e conscientes da nossa “humanidade” efêmera. Somos obrigados constantemente a refletirmos sobre nossas prioridades, nossas dores e problemas. A cada dia que adentramos em nosso local de trabalho, tomamos “um choque de realidade” e percebemos o quão insignificante são nossos problemas e o quão mesquinho somos em diversas situações do nosso cotidiano. Antes de aprendermos sobre humanidade, aprendemos a ser humildes. Essa é a maior lição que tiramos dos pacientes oncológicos: A humildade! Para servir precisamos ser humildes. Para lidarmos com pessoas em que a vida pode se extinguir de uma hora para outra é preciso humildade. É compreender que na hora de maior dor, incerteza e tristeza, onde o ser humano se encontra despido de qualquer couraça, ele nos permite conhecer seus medos, suas fraquezas e seus anseios; Compartilhando conosco e nos ensinando a sermos humildes. No final, somos nós que aprendemos a maior lição que um profissional pode receber fora do sistema frio educacional, aprendemos a ser humildes e nossos mestres, nossos pacientes. Depois, e somente depois da humildade, tentamos professar o atendimento humanizado.
Em se tratando de atendimento humanizado, talvez para nós fisioterapeutas, seja mais natural do que para outras classes profissionais, uma vez que aprendemos desde a vida acadêmica a prestar atenção em nosso paciente; a celebrarmos a menor vitória, como se fosse a nossa própria; a chorar quando perdemos este ou aquele paciente que éramos responsáveis; Ao nos silenciar com a angústia daqueles que sofrem mais do que nós e ao reconhecer que somos apenas um ser humano ao lado de outro ser humano no final das contas.

Sabendo que parte da sua formação se deu no exterior, em que aspectos o modo de pesquisar e de tratar os temas relacionados à saúde divergem da forma como isso se dá no Brasil? Quais deles poderiam ser incorporados no nosso sistema para que a fisioterapia consiga avançar, principalmente em relação à área oncofuncional?

Primeiramente, conseguiremos avançar enquanto especialidade no momento em que a sociedade perceber a importância do nosso trabalho. Uma vez em que deixarmos de “jogar” nossos doentes em um local longe dos olhos e, trazendo-os à luz, passemos a reconhecer como um problema de todos nós.
Nossa associação a ABFO – Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia está desenvolvendo um trabalho fenomenal frente às adequações e padronizações necessárias para uma prestação de serviços com alto padrão de excelência e para tanto, todos os profissionais ligadas a ela, encontram-se neste momento contribuindo para tal feito e realmente desconheço um País em que esse esforço tenha sido feito ou realizado em se tratando de reabilitação voltada ao paciente oncológico.

A pesquisa no Brasil ainda engatinha quando falamos de fisioterapia em oncologia, mas diante das dificuldades, estamos indo bem. Prefiro enaltecer o trabalho dos nossos pesquisadores e profissionais que atuam diariamente junto ao paciente oncológico mesmo diante de tantas dificuldades, a criticar a morosidade, a burocracia e tudo aquilo que desfere um pontapé nas boas intenções dos meus compatriotas. Prefiro me concentrar no positivo, não sou ingênuo, existem diferenças abismais, mas sou brasileiro e tenho certeza que estamos construindo um futuro promissor para nossa especialidade e principalmente, garantindo que os pacientes oncológicos recebam de fato, o atendimento digno que merecem. 

Daniel Xavier

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