terça-feira, 13 de junho de 2017

CUIDADOS E MANEJO DO PACIENTE NEUROCIRÚRGICO PELO FISIOTERAPEUTA

CUIDADOS E MANEJO DO PACIENTE NEUROCIRÚRGICO PELO FISIOTERAPEUTA

Autora: Dra.Ionete Esteves
Coordenador da pos graduação:Dr.Daniel Xavier


O Sistema Nervoso Central (SNC) é complexo e delicado, podendo qualquer injúria levar a consequências devastadora e irreversíveis. A neurocirurgia é uma especialidade responsável pelo tratamento cirúrgico das doenças que acometem o SNC e periférico, assim como traumas encefálicos (TCE), tumores, traumas raqui-medulares (TRM) entre outros. O paciente neurocirúrgico pode vir a presentar sequelas sensitivas, motoras, vasculares e respiratórias devido ao tipo de cirurgia e a patologia de base por isso são encaminhados à Unidade de Terapia Intensiva. A UTI é a unidade hospitalar destinada a pacientes críticos, que necessitam de assistência especializada com monitorização e terapia contínua (AMIB, 2009), onde haverá uma equipe de multiprofissionais que integram o ambiente. Dentre eles o Fisioterapeuta Intensivista que desempenha um papel importante junto a equipe multidisciplinar nos cuidados e manejo do paciente neurocirúrgico, sabemos que a fisioterapia é de caráter preventivo, minimizando e tratando complicações respiratórias, motoras e circulatórias isso é feito através de avaliação que indicará a conduta necessária a ser realizada.


Neurocirurgia oncológica tem como objetivo a ressecção do tumor.  Este tipo de paciente neurológico crítico ou neurocirúrgico na UTI requerem cuidados adicionais devido a vulnerabilidade do SNC e por serem pacientes que permanecem internado por períodos prolongados. Tumor cerebral é o crescimento anormal de células do crânio levando à compressão e lesão de estruturas normais do cérebro. São divididos em 2 categorias: primárias, com origem dentro do crânio e secundária ou metastático, com origem em outro órgão. Há três tipos de tumor cerebral: benigno, maligno e as metástases. O benigno mais frequente é o meningioma que pode ser tratado e curado, os malignos mais comuns são os gliomas, já as metástases tem comportamento variado o qual depende do tumor de origem e do local que acometeu o cérebro.   De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), 4% das mortes por câncer no Brasil estão relacionadas com neoplasias cerebrais. Além dos tumores próprios do cérebro, 25% dos tumores de origem em outras regiões do corpo dão metástases e podem acometer o cérebro.


Após 24 horas do PO o fisioterapeuta realizará uma avaliação neurológica e física observando criteriosamente os riscos e benefícios para o bom manejo do paciente, monitorando os parâmetros e as variáveis hemodinâmicas: Pressão intracraniana (PIC), Pressão de perfusão cerebral (PPC), Pressão arterial média (PAM), Pressão positiva expiratória final (PEEP) além de observar temperatura e exames laboratoriais. A monitoração destes parâmetros hemodinâmicos associados ao respiratórios como PaCO2 e PaO2, auxiliam na terapêutica adequada e é de extrema importância que saibamos interpretá-los.


PIC – Pressão intracraniana. Segundo a doutrina de Monro-Kellie, a PIC é a pressão resultante da presença de três componentes dentro da caixa intracraniana: estruturas paraquimentosa (encéfalo), vascular (sangue) e liquórica (líquido cefalorraquidiano), onde há um equilíbrio entre esses volumes. 

O aumento de um desses componentes, com pouca mudança de pressão ocorre até certo ponto onde o próprio cérebro reage através de mecanismo compensatório aumentando a drenagem do líquor dentro da região aracnóide (PIC compensada), equilibrando essas pressões. Quando esses pequenos aumentos de volume, acarretam grandes aumento de pressão, indica que o mecanismo de drenagem se tornaram exaurido dando espaço para a PIC descompensada. Quando o ↑ do vol. cerebral ocorre por tumor ou hematoma, os gradientes de pressão se desenvolvem dentro da substância cerebral podendo levar a herniações cerebrais internas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão cerebral irreversível.

0 – 10 mmHg Normal em adultos   
15 – 20 mmHg Monitorado / compensado   
 ≥ 20    mmHg Alterado HIC*/descompensado   
 
↑ PIC 

↑ PIC causa injúria no parênquima cerebral ↓ Pressão de perfusão cerebral (PPC)   
↓ Fluxo sanguíneo cerebral                                
 

Pressão de Perfusão Cerebral (PPC): Define-se como PPC o gradiente entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana (PIC), sendo o seu valor normal acima dem70mmHg até 110, quando reduzida abaixo de 50-60 mmHg aparecem sinais evidentes de isquemia e atividade elétrica reduzida. PPC tanto é ↓pela ↓ da PAM como pelo ↑da PIC. É importante ressaltar que PPC e PAM são valores semelhantes, devido a correlação entre estes dados em que a PPC é proporcional a PAM. 
PPC = PAM – PIC

PPC > 70 mmHg Normal   
PPC < 60mmHg Sinais de atividade elétrica reduzida. Auto – regulação compensada com vasodilatação  

 PAM (PAS + PAD x 2) /3. Valores normais estão entre 70 mmHg e 110 mmHg. Dentro da UTI estão entre 60 mmHg e 180 mmHg e muitas vezes o uso de drogas vasoativas é indicada ao paciente para manter a PAM nesses valores ideais.

PAM < 60 mmHg = isquemia devido ao ↑ do PaCo2 e queda da PaO2. Ocorrendo uma vasodilatação cerebral promovendo ingurgitamento venoso e cerebral e consequentemente elevação da PIC
PAM >180 mmHg ocorre ↑ do FSC evoluindo para uma vasoconstrição, queda da pressão intravascular e drenagem venosa elevando o volume sanguíneo cerebral e da PIC.

Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) é o volume de sangue que circula através da circulação cerebral num determinado tempo. É diretamente proporcional a PPC e inversamente proporcional a resistência vascular cerebral (RVC). Pelo mecanismo de auto-regulação o FSC se mantém normal entre uma PAM de 60 a 140 mmHg

FSC > 60 Hiperemia Função normal Edema ou hemorragia   
FSC  50 - 60 ml/100 g/min Normal ± 55 Função normal   
FSC < 50 Repercussão Hemodinâmica Função normal   
FSC 30 – 40 EEG lento Função normal   
FSC 20 – 30 Metabólico anaeróbico Função Normal Limiar de fluxo para disfunção   
FSC 15 – 20 Paralisia Fisiológica Preservação da integridade estrutural Limiar de Fluxo para lesão de membrana   
< 10 – 15 Morte celular Lesão irreversível  


Dióxido de Carbono: Causa vasodilatação cerebral. Mudanças na pressão parcial de gás carbônico (PaCo2) normalmente se associam a mudanças proporcionais no FSC. Assim o ↑ da PaCO2 ocasiona a vasodilatação cerebral, ↑ o FSC podendo elevar a PIC. O contrário ocorre quando ↓ da PaCO2, causando vasoconstrição. Desta maneira, hiperventilação pode levar a uma redução na PIC, mas ás custa de uma diminuição do FSC e de um potencial de isquemia cerebral. 

PaCo2 valor normal 35 – 45 mmHg

PaCo2 > 45mmHg ↑ FSC (vasodilatação) 
PaCo2 < 35 mmHg ↓ FSC (vasoconstrição) 

Oxigênio: Valores muito baixo da PaO2 também tem efeitos no FSC. PaO2 < 50 mmHg ↑ o FSC e no volume de sangue intracraniano por vasodilação. PaO2 > 300mmHg, podem acarretar vasoconstrição. Hipóxia cerebral é um risco em pacientes hipoxêmicos, principalmente quando a PaO2 menor que 50 mmHg, devido a diminuição na oferta de O2 cerebral, mas também por causa marcante vasodilatação. Vasodilatação o cerebral põe o cérebro em risco adicional por duas razões: leva a hiperemia e predispõe ao edema cerebral nas áreas lesadas e; e ↑eleva a PIC e pode ↓ significativamente a PPC, causando isquemia cerebral global e lesão neural secundária.
Pressão arterial (PA) hipotensão (PAS = 90 mmHg) evitada; SpO2 Hipóxia (Saturação < 90% e PO2 < 60%) deve ser evitada também; 

Cuidados com o posicionamento: Paciente em decúbito dorsal (DD) com cabeceira elevada a 30 graus, visando prevenir broncoaspiração e nos casos de HIC para que a perfusão cerebral (PPC) não venha ser comprometida. Pacientes com PO neurológicos não toleram mudança de decúbito por piorar a ventilação e ocasionar instabilidade hemodinâmica severa, além de elevar a PIC; Posição da cabeça do paciente em neutro (central) evitando a rotação da cervical pois isso implica no retorno venoso; Flexão de quadril até 90 graus para não comprometer retorno venoso. Vias aéreas pérvias, livres e ventiladas.n

Fisioterapia Respiratória e motora: Em pacientes graves a FR tem papel importante na manutenção das vias aéreas, prevenindo complicações por meio de manobras de acordo com o quadro do paciente. As manobras de expansão pulmonar como a compressão e descompressão, manobra de higiene brônquica com aspiração intratraqueal (AIT) para remoção de secreção devem ser realizados analisando a clínica do paciente. Vários estudos demonstram que as condutas de FR e manobra de AIT alteram significativamente a PIC, sem alterar, de modo significativo a PPC. Isso se dá devido a aplicação da manobra de FR sobre a caixa torácica aumentar a pressão intrapulmonar (PIT), que se relaciona diretamente com a pressão alveolar, com a queda do retorno venoso para o coração e a diminuição da PAM diminuindo assim a débito cardíaco (DC). Contudo vários estudos mostraram também que o aumento da PIC, causado pelo aumento da PIT não compromete de modo significativo a PPC. Com relação a manobra de AIT, cabe enfatizar que esta deve ser realizada com cuidado observando o tempo de 10 a 15 segundos e se necessário for. Sempre monitorando a PIC que não deverá ultrapassar de 20mmHg.

PEEP: o objetivo do seu uso incluem a possibilidade de otimizar a capacidade residual funcional (CRF) e reduzir o colapso alveolar, diminuir a incidência de lesão pulmonar relacionada à ventilação mecânica, além de prevenir o uso elevado de FiO2, no entanto essas evidências relacionam o uso da PEEP ao aumento da PIC e redução da PPC, pois surgiram hipóteses de que a complacência do sistema respiratório seria um dos principais fatores determinantes na transmissão da PEEP para o compartimento intracraniano contudo as evidências que baseiam esses achados são contraditórios.  Caricato et al, destacaram que pacientes com baixa complacência pulmonar toleraram valores de PEEP até 12cmH2O sem comprometer a dinâmica cerebral, outro estudo revelou que a manutenção da PEEP em níveis elevados não interferiu na PIC, independente da complacência pulmonar, de qualquer forma a abordagem individual e monitorização cuidadosas são fundamentais.


Monitorar o paciente, avaliar de forma criteriosa e ter o conhecimento embasado não no achismo mas na forma científica te leva a ofertar a melhor e a mais indicada terapêutica no cuidado e manejo de pacientes críticos. Utilizando técnicas de MRP, MHB com segurança, com controle de tempo e quando necessárias; prevenindo complicações pulmonares e auxiliando no manejo da ventilação mecânica com as medidas de neuroprotecao para uma melhor mobilização do paciente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSMANN, Crisiela Brum et al. Hiperinsuflação pulmonar com ventilador mecânico versus aspiração traqueal isolada na higiene brônquica de pacientes submetidos à ventilação mecânica. Rev. bras. ter. intensiva [online]. 2016, vol.28, n.1, pp.27-32. ISSN 0103-507X.  http://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20160010.

FERREIRA, Lucas Lima; VALENTI, Vitor Engrácia; VANDERLEI, Luiz Carlos Marques. Fisioterapia respiratória na pressão intracraniana de pacientes graves internados em unidade de terapia intensiva: revisão sistemática. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v. 25, n. 4, p. 327-333, 2010. 
FERREIRA, Silvia Aparecida et al. Variações da pressão intracraniana durante manobra de expansão pulmonar em pacientes com trauma cranioencefálio grave, monitorizados em unidade de terapia intensiva. Medicina (Ribeirão Preto) 2009;42(4): 466-76
PARAIBUNA, Cíntia Carniel. Aspectos gerais da fisioterapia intensiva no paciente neurológico crítico. Site: http://www.sobrati.com.br/trabalho16-julho-2004.htm
SILVIA, Cláudia Helena Ribeiro da, Sofia Meinberg Pereira, and Vitor Michelstaedter Brochado. "Ventilação mecânica em neurocirurgia." (2014): S33-S42.
THIESEN, Rosana A. et al. Influência da fisioterapia respiratória na pressão intracraniana em pacientes com traumatismo cranioencefálio grave. Arq. neuropsiquiatr, v. 63, n. 1, p. 110-3, 2005.


Cirurgia de tumor cerebral. Disponível em: http://www.neurocranioecoluna.com.br/site/o-que-fazemos/neurocirurgia/tumor-cerebral.html. Acesso em 02 de junho de 17.
Cirurgia de tumor cerebral. Disponível em: http://www.neurocranioecoluna.com.br/site/o-que-fazemos/neurocirurgia/tumor-cerebral.html. Acesso em 02 de junho de 17.
Doutrina de Monroe Kellie. Disponível em: http://neurointensivismo.blogspot.com.br/2013/01/doutrina-monroe-kellie.html. Acesso em 27 de maio de 17.
Inca: neoplasia cerebral. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=682. Acesso em 08 de junho de 17.
Mudança de decúbito para pacientes em cuidados intensivos neurológicos e neurocirúrgicos: guia de boas práticas :https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/169561?show=full
Neurocirurgia. Disponível em: http://www.neurocirurgia-sc.com.br/ler_artigo.php?id=4. Acesso em 01 de junho de 17.
Tumores do SNC. Disponível em: http://www.neurocirurgiabh.com/cranio/tumores-do-snc/tumor-cerebral.html. Acesso em 07 de junho de 17. 

Um comentário:

  1. PaCo2 > 45mmHg ↑ FSC (vasodilatação)
    PaCo2 < 35 mmHg ↓ FSC (vasoconstrição)

    nao seria o contrario?
    o aumento do pco2 que causa a vascoconstrição?

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