QUALIDADE DE VIDA E
DESEMPENHO FUNCIONAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES PORTADORES DE NEOPLASIAS
MALIGNAS SUBMETIDAS AO PROCESSO DE REABILITAÇÃO ONCOFUNCIONAL
Viviane
Lago de Oliveira Silva¹; Minelvina Barroso de Amorim²; Daniel Salgado Xavier³.
1
Acadêmica de Fisioterapia do Centro Universitário do Norte – UNINORTE. Bolsista
do Programa de Apoio à Iniciação Científica da Fundação Centro de Controle de
Oncologia do Estado do Amazonas - FCECON; Manaus, Amazonas;
lagoliveira@gmail.com
2
Professora preceptora da Faculdade Metropolitana de Manaus – FAMETRO. Manaus,
Amazonas; minelfisio@hotmail.com
3
Fisioterapeuta da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do
Amazonas – Orientador. Manaus, Amazonas; xavierdaniel@hotmail.com
Resumo
No
Brasil, as estimativas para os anos de 2014 e 2015 apontaram para a ocorrência
de aproximadamente 576 mil casos novos de câncer. O presente estudo
justificou-se pela escassez literária que embase e norteie as condutas
terapêuticas multidisciplinares imprescindíveis, onde a fisioterapia
oncofuncional tem por metas a manutenção, o desenvolvimento, a preservação e a
melhora da capacidade funcional dos pacientes portadores de neoplasias. Objetivo: Avaliar a capacidade funcional e
qualidade de vida de um grupo de crianças e adolescentes portadores de
neoplasias malignas submetidas ao processo de reabilitação oncofuncional e
comparar com um grupo controle não submetido à intervenção fisioterapêutica.
Metodologia: Trata-se de um estudo clínico, descritivo, observacional, prospectivo,
realizado na FCECON, com crianças e adolescentes entre 04 a 18 anos de idade,
independente do gênero, da raça, do tipo do câncer, com devida autorização de
seus respectivos responsáveis legais, através da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados: Notou-se que os pacientes que
integraram o grupo G2 submetidos às 15 sessões de fisioterapia oncofuncional
apresentaram uma melhor qualidade de vida, caracterizado pelo escore elevado
nas escalas funcionais e na escala Estado Geral de Saúde/Qualidade de Vida e
escore reduzido nas escalas de sintomas quando comparados ao grupo controle.
Além disso, os pacientes do grupo G2 apresentaram melhor capacidade funcional,
recebendo classificação de independência na maioria das atividades exercidas.
Conclusão: Ficou evidenciado que a fisioterapia oncofuncional contribuiu para
promover a melhor da qualidade de vida e consequentemente melhor desempenho
funcional nos indivíduos que foram submetidos às intervenções
fisioterapêuticas.
Palavras-chave:
Fisioterapia; Pediatria; Oncologia.
Introdução
No Brasil, a estimativa para o ano de 2014, que seria válida
também para o ano de 2015, assinalou para a ocorrência de aproximadamente 576
mil casos novos de câncer. O câncer é a designação dada a um conjunto de mais
de 100 tipos diferentes de doenças que têm em comum o crescimento desordenado
de células anormais, que se caracteriza pela perda do controle da divisão
celular e com potencial de invadir outras estruturas orgânicas 1.
Com base em referências dos registros de base populacional,
o câncer infanto-juvenil já representa a segunda causa de mortalidade
proporcional entre crianças e adolescente de 01 a 19 anos, sendo
ultrapassada tão somente pelas mortes relacionadas aos acidentes e à violência no
Brasil, pode, portanto, afirmar que o câncer é a primeira causa de mortes por
doença, após um ano de idade, até o final da adolescência 2.
Por isso é de grande
importância que haja desenvolvimento tecnológico e avanço das pesquisas no
campo da saúde, como afirma3, onde essas ações contribuirão tanto
para o combate de doenças quanto para o aumento da sobrevida de pacientes com
doenças crônicas como o câncer.
Esses
pacientes geralmente apresentam redução da sua Qualidade de Vida (QV) devido
aos tratamentos a que são expostos, 4define que a fisioterapia em
oncologia é uma especialidade que tem como finalidade preservar, manter,
desenvolver e restaurar a integridade cinético-funcional de órgãos e sistemas
do paciente, assim como prevenir os distúrbios causados pelo tratamento
oncológico.
Diante do exposto, a fisioterapia oncofuncional, é a
terapêutica de escolha e complementar quando o aspecto a ser considerado é a
melhora na qualidade de vida, onde, segundo5, a fisioterapia
oncofuncional apresenta por objetivos fundamentais, a manutenção, o
desenvolvimento, a preservação e a melhora da capacidade funcional dos
pacientes portadores de neoplasias e o desenvolvimento/manutenção desta
habilidade está diretamente relacionada a uma maior independência funcional e,
por conseguinte, uma melhor qualidade de vida.
Neste estudo, tivemos como objetivo avaliar e comparar a
capacidade funcional e qualidade de vida de um grupo de crianças e adolescentes
portadores de neoplasias malignas submetidas ao processo de reabilitação oncofuncional
com um grupo controle não submetido à intervenção fisioterapêutica. Como
objetivos específicos: Demonstrar que o incremento da capacidade funcional
enquanto habilidade motora é imprescindível para uma melhor qualidade de vida
em crianças e adolescentes portadores de neoplasias malignas; Avaliar o impacto
da presença de neoplasias malignas sobre a qualidade de vida e sobre a
capacidade funcional de crianças e adolescentes oncológicos; Inferir dados
acerca da perda e/ou redução da capacidade funcional em crianças e adolescentes
acometidos por neoplasias malignas; Demonstrar a relevância da reabilitação
oncofuncional enquanto componente interdisciplinar imprescindível ao processo
de implemento da qualidade de vida e capacidade funcional em crianças e
adolescentes portadores de neoplasias malignas.
Metodologia
Tratou-se de um estudo
analítico, do tipo ensaio clínico randomizado, a população de estudo escolhida
foram crianças e adolescentes entre
04 a 18
anos de idade, independente do gênero, da raça, do tipo do câncer e estadiamento
do câncer, foram excluídos
deste trabalho crianças e adolescentes que estavam realizando terapias
adjuvantes ao tratamento neoplásico como quimioterapia, radioterapia e/ou
hormonioterapia por conta dos efeitos colaterais inerentes a estas
intervenções, somada a indisposição orgânica e maior suscetibilidade a quadros
infecciosos (imunosupressão) e hemorrágicos (plaquetopenia), além daqueles
indivíduos submetidos ou necessitando de suporte avançado de vida, internados
na unidade de tratamento intensivo.
Satisfeitos com os critérios
de inclusão e exclusão, os pacientes selecionados foram distribuídos de forma
aleatória em dois grupos, receberam uma numeração e seus nomes foram lacrados e
fechados em um papel pardo, os pacientes com a numeração ímpar constituíram o
grupo controle G1 – que recebeu a fisioterapia convencional e os que receberam
a numeração par o grupo G2 – grupo de estudo que recebeu a intervenção via
fisioterapia oncofuncional. Após a randomização, os procedimentos foram realizados,
sempre mediante supervisão médica e da equipe da enfermagem. A abordagem
consistiu na prestação dos serviços duas vezes ao dia, nos períodos matutinos e
vespertinos, com duração de cinquenta (50) minutos, respeitando-se a clínica do
paciente, com o total de 15 sessões consecutivas. O estudo foi realizado em
vinte (20) crianças ou adolescentes, no qual dez (10) integraram o grupo G1 e
dez (10) o grupo G2.
Os responsáveis dos indivíduos deste estudo
responderam aos questionários na forma de entrevista, em que foi aplicado o
questionário EORTC QLC – C30 (European Organization For Research And Treatment
Of Cancer), validado por6, específico para mensuração e
quantificação da qualidade de vida em pacientes portadores de câncer. Esse
questionário é composto por questões que avaliam a última semana do
entrevistado, sendo dividido em três escalas: saúde global, escala funcional e
escala de sintomas. A escala funcional, por sua vez, é dividida em mais 5
subescalas (função física, desempenho de papel, função emocional, função
cognitiva e função social) e a escala de sintomas, em três subescalas
multi-itens (fadiga, náusea e vômitos, dor) e cinco subescalas de item único
(dispneia, insônia, perda de apetite, constipação e diarreia), além de um item
único relacionado à dificuldade financeira. Para calcular os escores de acordo
com o tipo de escala, foram utilizadas as seguintes fórmulas: Escalas
funcionais: Escore = 1- [(EB – 1) /variação] x 100; Escalas de sintomas: Escore
= [(EB – 1) /variação] x 100; Estado de saúde global: Escore = [(EB – 1)
/variação] x 100. As respostas dessas escalas foram transformadas em escore de 0 a 100. Nas escalas funcionais
e na escala Estado Geral de Saúde/Qualidade de Vida um escore alto representa
um elevado nível de funcionamento ou elevada qualidade de vida. Já nas escalas
de sintomas um escore elevado significa um nível elevado de sintomatologia ou
efeitos colaterais, ou seja, pior a qualidade de vida7.
Foi aplicado também em forma de entrevista o Índice
de Katz, validado por8, para avaliar a capacidade funcional. Em cada
questão, o escore variou de zero a um. O valor total foi obtido por meio da
soma dos escores de todos os itens. O cálculo foi realizado, conforme a
orientação do questionário e, ao final, obteve-se o valor total que
caracterizou as participantes nas categorias: Dependente ou Independente. Ao
final da aplicação dos questionários, os dados coletados foram tabulados no
Microsoft Excel®.
Todos os participantes foram informados quanto às
características do estudo e seus responsáveis assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, as crianças com idade superior a dez anos
assinaram Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, aceitando participar
voluntariamente do estudo. Este estudo possui aprovação sob CAAE:
45720015.3.0000.0004.
Resultados e discussão
Os resultados
obtidos após a aplicação do questionário EORTC QLC – C30 demonstraram que
quando comparados os dois grupos, onde o G1 – grupo controle e o grupo G2 –
submetidos à intervenção fisioterapêutica oncofuncional, constatamos que o G2 apresentou
escore médio da Escala Saúde Global/Qualidade de Vida superior (90) contra (63,3)
do G1 o que significa melhor qualidade de vida para esse grupo com escore
elevado.
Nas outras
escalas o grupo G2 apresentou em geral melhor escore médio como nas escalas
funcionais (76,2), ou seja, elevada qualidade de vida quando relacionada ao G1
66,1 (Figura 1).
Figura 1: Média das
Escalas Funcionais do EORTC QLQ- C30
Nota: Função Física
(FF), Desempenho de Papel (DP), Função Emocional (FE), Função Cognitiva (FC)
e Função Social (FS). Pacientes submetidos à intervenção fisioterapêutica
convencional (G1), pacientes submetidos à fisioterapia oncofuncional (G2).
|
Nas
escalas de sintomas o G1 apresentou todos os escores superiores ao G2, o que
caracteriza maior quadro de sintomas e consequentemente pior qualidade de vida,
como explanam os escores elevados do G1 principalmente em insônia (60), e
dificuldades financeiras 76,6 (Figura 2).
Figura 2: Média das
Escalas de Sintomas do EORTC QLQ- C30
Nota: Fadiga (FAD),
náuseas e vômitos (NAV), dor (Dor), dispnéia (DIS), insônia (INS), perda de
apetite (PAP), constipação (CON), diarreia (DIA) e dificuldades financeiras
(DIF).
|
De acordo com a
classificação do Índice de Katz pode-se observar que houve predominância do
grupo G2 na maioria das atividades exercidas de forma independente, com exceção
do item higiene pessoal onde o grupo G1 (70%) apresentou índice pouco superior
ao G2 60% (Tabela 1).
Tabela
1 – Distribuição das atividades básicas de vida diária (ABVD) entre o grupo G1
n= 10 e G2 n=10, segundo Índice de Katz.
ABVD
|
Grupo G1
|
Grupo G2
|
||||||
Independente
|
Dependente
|
Independente
|
Dependente
|
|||||
n
|
%
|
n
|
%
|
n
|
%
|
n
|
%
|
|
Banho
|
5
|
50
|
5
|
50
|
8
|
80
|
2
|
20
|
Vestir-se
|
6
|
60
|
4
|
40
|
7
|
70
|
3
|
30
|
Higiene Pessoal
|
7
|
70
|
3
|
30
|
6
|
60
|
4
|
40
|
Transferências
|
10
|
100
|
-
|
-
|
10
|
100
|
-
|
-
|
Continência
|
7
|
70
|
3
|
30
|
9
|
90
|
1
|
10
|
Alimentação
|
6
|
60
|
4
|
40
|
10
|
100
|
-
|
-
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Tendo em
vista os resultados positivos alcançados por meio da atuação fisioterapêutica
aplicada em um grupo deste estudo e sabendo por meio da literatura9,
que o câncer aparece entre as doenças crônicas não transmissíveis como a principal
causa de morte e que também leva à perda de qualidade de vida, com altos graus
de limitação nas atividades de trabalho e lazer. Compreendemos que o
fisioterapeuta é um membro essencial na equipe multidisciplinar. Onde a
fisioterapia irá apontar não apenas o estado físico da criança, mas também as
questões sociais e emocionais associadas ao diagnóstico de câncer, conforme10
afirma.
Além
disso, a atuação da fisioterapia em pacientes oncopediátricos pode ser
realizada no pós-operatório imediato, nas complicações decorrentes de um tumor
primário, do tratamento quimioterápico e/ou radioterápico ou de suas
metástases, desde que haja condições clínicas para tal atuação. Tendo como meta
principal evitar a síndrome do imobilismo nesses pacientes, segundo informa11.
No período
em que a coleta de dados foi realizada nos deparamos com algumas limitações,
pois alguns responsáveis não aceitaram que seus filhos fizessem parte do estudo
mesmo sendo esclarecido a importância deste trabalho. Além disso, alguns
pacientes foram excluídos do estudo já que receberam alta hospitalar antes de
completar o número necessário de sessões de fisioterapia.
Conclusões
A relevância do presente estudo vai além da
escassez literária que embase e norteie as condutas terapêuticas
multidisciplinares imprescindíveis, ora ao pronto estabelecimento das crianças
e adolescentes portadores de neoplasias malignas, ora na promoção de ações que
culminarão em uma melhor qualidade de vida, um maior senso de dignidade humana e a reinserção
destes na sociedade, objetivos estes, tão fundamentais e que por vezes são
relegados sumariamente ao segundo plano.
Acreditamos
que a partir dos resultados demonstrados neste estudo a fisioterapia
oncofuncional assuma o papel de uma das protagonistas no processo de melhora da
capacidade funcional, conferindo uma maior independência funcional o que
refletirá em uma melhora na qualidade de vida, ratificando o papel da
reabilitação oncofuncional como um método seguro e eficaz no tratamento de
crianças e adolescentes acometidos por câncer.
Agradecimentos
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas pela oportunidade de realizar esta pesquisa, à Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas, local de realização desta pesquisa, a todos os pacientes desta instituição, a Dra Kátia Torres e Josi Neves por todo apoio.
Referências
1.INCA- Instituto Nacional
do Câncer (BRASIL). Estimativa 2014: Incidência de Câncer no Brasil. – Rio de
Janeiro: INCA, 2014. 126p.
2. INCA- Instituto
Nacional do Câncer (BRASIL). Estimativa 2012: Incidência de Câncer no Brasil. –
Rio de Janeiro: INCA, 2012.
3. PEDROZO, W.S.;
ARAÚJO, M.B.; STEVANATO, E.S. Atividade física na prevenção e na reabilitação
do câncer. Motriz, Rio Claro, v.11 n.3 p.155-160, set./dez. 2005.
4. Instituto Nacional de
Câncer (Brasil). Fisioterapia [homepage da Internet]. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional de Câncer; c1996-2015 [acesso em 19 ago. 2015]. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?ID=682
5. XAVIER, D.S.
Fisioterapia oncofuncional para a graduação: O papel da fisioterapia no combate
ao câncer. Clube dos autores. 2ed. MS, 2012.
6. FARIA, O.S. Adaptação transcultural e validação da versão em
português de questionário de qualidade de vida para pacientes com câncer em
cuidados paliativos no contexto cultural brasileiro. Dissertação apresentada à
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de
Mestre em
Ciências. São Paulo, 2013.
7. SANTOS, E. M. M.
Câncer colorretal: qualidade de vida em pacientes tratados com intenção
curativa. 2003. 136f.
Dissertação (Mestrado em Ciências – Área de concentração Oncologia) – Programa
de pós-graduação em Ciências, fundação Antonio Prudente, São Paulo.
8. LINO, S.T.; PEREIRA,
M.R.S.; CAMACHO, B.A.L.; FILHO, R.T.S.; BUKSMAN, S. Adaptação transcultural da
Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz. Cad.
Saúde Pública). Rio de Janeiro, 24(1):103-112, jan., 2008.
9.
MARQUES, Cristiana. Oncologia: Uma abordagem multidisciplinar. Carpe Diem,
2016.
10. TECKLIN, Jan Stephen. Fisioterapia Pediátrica. 3ª Edição. Porto Alegre:
Artmed, 2006.
11. PETRILLI, Antonio
Sérgio; CARVALHO, Werther Brunow; LEE, June Ho. Cuidados Intensivos ao Paciente
Oncológico Pediátrico. São Paulo: Editora Atheneu, 2004.
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