domingo, 12 de abril de 2009

A Guerra do século

No começo, o câncer é silencioso, furtivo. Uma célula do nosso organismo sofre uma mutação e passa a se proliferar desordenadamente, multiplicando seus clones em velocidade bem superior à das demais células do organismo. Assim, formam-se os tumores, que, quando são percebidos, muitas vezes já é tarde demais. O câncer é uma doença terrível, mortal em grande parte dos casos, assustadora para os pacientes e seus familiares. A boa notícia é que nunca antes o conhecimento sobre a doença, assim como seus tratamentos e diagnósticos, avançou tão rapidamente. A má notícia é que, apesar dos esforços, ainda há muito a aprender até que se possa dizer que o câncer está sob controle.

Nos últimos 25 anos, contam-se às centenas, ao pé da letra, as reportagens que SAÚDE! publicou sobre os avanços no combate a essas células afoitas. Nesse período, a humanidade viveu o auge da chamada "guerra contra o câncer", desencadeada pelo presidente americano Richard Nixon em 1971, que resultou na liberação de uma montanha de dinheiro para pesquisas. De lá para cá, só nos Estados Unidos, foram gastos 200 bilhões de dólares no financiamento de um sem-número de projetos científicos relacionados à busca da cura para o mal. "É uma guerra que apresenta resultados lentos, mas que está no caminho certo", afirma o oncologista Paulo Hoff, diretor geral do Instituto do Câncer de São Paulo. "Ganharemos, mas ainda vai demorar um pouco."

Os resultados mais animadores começaram a surgir justamente na década de 1980, modificando aos poucos a própria noção do câncer na sociedade. Há 25 anos, ter um tumor flagrado era o mesmo que receber um atestado de óbito. Pouquíssimos se salvavam. O mais comum era o paciente padecer após um tratamento agressivo e debilitante. Esse cenário mudou significativamente. É possível conviver com a doença, fazer os tratamentos e continuar levando uma vida normal ou muito próxima do normal. "Hoje, temos cada vez mais pacientes vivendo muito bem. E com câncer", avalia Hoff.

A história desse mal é traçada de modo diverso desde o diagnóstico. Equipamentos como a PET, ou tomografia por emissão de pósitrons, lançado em 2000 nos Estados Unidos e poucos anos depois no Brasil, escaneiam o corpo humano dos pés à cabeça, denunciando minúsculos aglomerados de células suspeitas, infinitamente menores do que os tumores que podiam ser avistados numa chapa de raio X, por exemplo — que, afinal, era um dos principais recursos para a detecção do câncer 25 anos atrás. E tamanho é documento quando se fala em tumor. Descobri-lo quando ainda é ínfimo diminui a agressão do tratamento. Um desafio para o futuro: tornar a PET acessível a boa parte da população. Por enquanto, o exame só existe em algumas capitais do país.

É a mesma dificuldade encontrada quando o assunto é radioterapia. "Os equipamentos modernos, que ainda não existem em todos os centros, têm um foco extremamente preciso. A radiação pode ser dirigida ao tumor para destruí-lo sem arrasar em seu trajeto o tecido sadio na vizinhança", conta o oncologista Sérgio Roithmann, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Mais do que evitar os temidos efeitos colaterais — os pacientes saem da seção para trabalhar normalmente ou até mesmo para ir ao shopping —, essa radioterapia de cara nova, por assim dizer, permite aos médicos usar doses de radiação maiores — e mais letais ao câncer —, já que os raios vão direto ao alvo com precisão absurda.

Aparecem também drogas que agem em tumores contra os quais os tratamentos convencionais falhavam. Algumas delas pertencem à novíssima geração de anticorpos monodonais. Seguindo a expertise do sistema imunológico humano, elas foram criadas para perseguir o tumor como se fosse um vírus ou algo assim. Ao alcançar o inimigo, logo se grudam nele — para impedir que cresça ou para bloquear estruturas importantes a sua sobrevivência. "Daqui para a frente, o caminho é selecionar um tratamento sob medida baseado na biologia molecular de cada tumor", afirma o cirurgião Ricardo Kroeff, diretor médico do Hospital Santa Rita, centro especializado em câncer da Santa Casa de Porto Alegre.

NA DÉCADA DE 1980

Na hora de aplicar a radioterapia convencional, o médico determinava um campo retangular. E a mesma dosagem de radiação era enviada para toda a área. Os efeitos colaterais eram muitos, e uma grande quantidade de tecidos sadios ficava prejudicada.

NA DÉCADA DE 1990

Com o aprimoramento dos exames por imagem, apareceu o que os médicos chamam de rádio tridimensional conformada. Os raios passaram a ser enviados levando em conta o formato do tumor, diminuindo o pedaço atingido na vizinhança sadia.

HOJE EM DIA

A técnica de ponta é a IMRT, que emite diferentes doses de radiação na direção de um tumor, de modo que ele concentre, de longe, a maior quantidade, preservando praticamente 100% as células sadias a seu redor. Em compensação, a radiação enviada diretamente às células malignas aumenta, fazendo crescer na mesma proporção as chances de bons resultados.

ESTAMOS MAIS VELHOS, TEMOS MAIS CÂNCER

Se sabemos cada vez mais sobre o câncer, porque o número de doentes não cai? Talvez essa seja a sua pergunta. A explicação mais simples é o envelhecimento da população, especialmente em países como o Brasil, onde a expectativa de vida passou a ser de 72,3 anos, contra os 62,6 anos da década de 1980. É o câncer, como se sabe, está estreitamente ligado ao envelhecimento das células. Há outros fatores, porém. "Metade dos tumores tem relação com o tabagismo, a obesidade e o sedentarismo, que ainda estamos longe de erradicar", analisa o oncologista Sérgio Roithmann. A prevenção está em suas mãos.

Existe uma corrente que aposta nisto: o câncer como uma doença crônica. E seus seguidores acreditam na máxima de que, "se não dá para curar, pelo menos que dê para conviver". "Claro que, para alguns tumores, os avanços dos últimos anos representam uma solução", afirma a oncologista Maria del Pilar Estevez Diz, coordenadora de Oncologia Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. "Há duas décadas, oito em cada dez homens com câncer de testículo morriam. Hoje, mais de 90% dos casos têm cura. As chances de derrotar a doença são altas — em torno de 80% —, até mesmo quando ela já disparou a metástase, ou seja, começou a se espalhar", compara a médica.

Para outros tumores, a melhora da situação foi mais modesta. No caso de câncer colorretal, antes só metade dos pacientes sobrevivia mais de cinco anos. Hoje, são 65%. "Quando pensamos em câncer de pulmão, a sobrevida de cinco anos só era alcançada por 13% dos pacientes e agora 20% deles vivem mais do que esse período", exemplifica ainda o médico Sérgio Roithmann, do Rio Grande do Sul.

Segundo ele, o conhecimento sobre os elos entre a genética, o estilo de vida e a doença também está bastante disseminado entre a população. "Isso ajuda", acredita. "Quando falamos em câncer de pele — e um quarto dos tumores malígnos detectados no Brasil são desse tipo —, isso fica evidente. Os cuidados com a exposição solar há 25 anos eram pífios. Atualmente, são amplamente difundidos, e não só na praia e na piscina", diz ele. "Sem contar que as pessoas andam alertas sobre o papel da boa alimentação e da atividade física para prevenir diversos males — o câncer não está fora disso", conclui.

Para a médica Maria Del Pilar, o domínio de informações sobre o estilo de vida saudável não ajuda apenas na prevenção. "Isso também conta quando o tumor já se instalou", observa. "Ninguém mais discute que a participação ativa do paciente no combate ao câncer contribui para a vitória. Quando ele conhece o seu corpo e o que pode ajudá-lo a derrotar a doença, a evolução do quadro tende a ser mais favorável."

DIRETO AO PONTO

Os anticorpos monoclonais fazem parte de uma nova categoria de drogas chamadas genericamente de terapia-alvo. Elas são projetadas em laboratório para se ligar a estruturas específicas das células tumorais de forma a impedir que se proliferem. Cada anticorpo monoclonal é programado para uma função específica. Alguns foram bolados para bloquear, por exemplo, o fator de crescimento epitelial, molécula que estimula a reprodução das células cancerosas. Aliás existem drogas como essas aprovadas e em utilização em diversos hospitais do mundo, inclusive no Brasil. Entre os tipos de câncer tratatos estão o de mama, de pulmão, de intestino e de linfoma não-Hodgkin.

CAÇA AO TUMOR

O registro mais antigo do câncer são papiros egípcios datados de 1600 a. C., que relatam uma mastectomia e uma indicação de tratamento. Os antigos gregos também tentaram, sem sucesso, deter a doença. As batalhas, portanto, remontam à Antiguidade. Veja a seguir como se desenrolaram nos tempos mais recentes.

1982

Identificado o primeiro gene ligado ao câncer, chamado Rãs. É o prenúncio de descobertas relacionadas à genética para tratar a doença.

1986

Identificado outro gene, o HER2, ligado ao câncer de mama. A revelação levou ao desenvolvimento de um remédio aprovado em 1998.

1993

O Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos confirma a importância da nutrição para a prevenção, recomendando a ingestão de frutas e vegetais para evitar tumores.

1994

Descoberto o gene BRCA1, um "supressor de tumores". Quando defeituoso, ele aumenta de três a sete vezes as chances de câncer de mama. No ano seguinte, seria descoberto outro gene parecido, o BRCA2.

1997

Aprovado pela FDA, nos Estados Unidos, o primeiro anticorpo monoclonal contra o câncer: o rituximab, usado para tratar um tipo de linfoma.

2001

As autoridades americanas aprovam um comprimido capaz de agir em proteínas envolvidas com o avanço da leucemia.

2004

Dois anticorpos monoclonais, o erbitux e o avastin, são aprovados pela FDA, nos Estados Unidos. É o início da era da terapia-alvo.

por TITO MONTENEGRO | fotos DERCÍLIO | design GUILHERME COLUGNATTI

Saúde! é vital. Outubro de 2008. Págs. 40 à 45.

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